sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Dúvida metafísica

Ontem ouvi uma coisa que me pareceu tão engraçada que decidi retomar uma ideia que tinha tido quando aqui atrás falei nos confortos da vida moderna: relembrar os tempos em que a vida quotidiana era mais complicada por ainda não existirem os «facilitadores» dessa mesma vida que felizmente temos na actualidade.
Por exemplo, quando era pequenina, desconhecia o que era um frigorífico. As donas de casa compravam os produtos frescos todos os dias, e guardavam-se no local mais fresco da cozinha. O primeiro que os meus pais compraram, trabalhava a petróleo (!) e foi colocado num canto da sala de jantar. Ah, e então vivíamos  em África, pois!
O telefone, esse, apareceu lá em casa mais cedo. Nem sei porque é que os meus pais aderiram a essa modernice, mas recordo o seu aparecimento e a desconfiança da minha avó quando lá ia a casa. Falava muito alto, no pressuposto de que se o interlocutor estava longe teria de gritar... Mas era um objecto que se usava só para dar recados ou coisas urgentes, e nem isso era frequente porque ainda poucos amigos nossos o tinham. Para os casos mais demorados fazia-se uma visita, ou escrevia-se uma carta.
Bem, para o início de uma conversa telefónica, em muitos países diz-se «ALÔ!». Em Portugal, o uso dizia que se começava com uma questão que confirmava que a ligação estava correcta e perguntava-se «Está lá?» ou simplesmente «Estááá?» Pronto, aceito que seria uma pergunta parva, mas se a ligação não estivesse completa ninguém respondia pelo que se concluía que não-estava-lá-ninguém!
Há uns anos, a esta pergunta começou-se a responder «Estou!». Correcto. Era um início da conversa: -Estás? - Estou. Lógico. 
Um pouco mais tarde, a pergunta inicial desapareceu e passou-se a atender dizendo «Estou». Não era mal. Não uso, toda a vida disse o «Está (lá)?» e não vou mudar, mas entendo muito bem a outra forma. O que já não entendo é que se use a forma interrogativa e que diga «Estou???» como oiço por todo o lado. Olho sempre um pouco de lado, e dá-me vontade de rir.
Mas ontem, estava eu na cozinha que beneficia de uma bela acústica das minhas traseiras, e oiço uma voz sem corpo: 
«Estou?....ESTOU?! ...ESTOU???? ESTOU ?????........»
Coitadinha.
Que dó me meteu. O Descartes sabia que pensava e portanto exista. O Hamlet balançava entre o Ser e o Não Ser. Mas esta pobre interrogava os céus em altas vozes e ninguém lhe respondia e confirmava que ela estava. Estava sim, que eu ouvia-a, mas a pergunta ficou sem resposta.
Metafísicas, é o que é.

Pé-de-Cereja

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Presunção de inocência (ou inocência presumida?!)




O excelentíssimo senhor *****, figura brilhante do jet-set nacional e internacional, tinha um minúsculo vício: era cleptómano. Não resistia. Brilhava um anel, cintilava um relógio, e tlim, papo! Os seus amigos conheciam-lhe o vício mas, tolerantes, passavam palavra e escondiam os objectos de valor durante as suas visitas, ou fechavam os olhos encolhendo os ombros. Enfim...
Certa vez, a coisa deu para o torto. Estava longe da sua área de conforto, tinha ido a um país estrangeiro, mas foi mais forte do que ele. Uma bolsa entreaberta, uma coisa a brilhar lá dentro, e zás! a mão que se insinua na abertura para rapinar o que lá estava guardado.
Azar. A dona da bolsa nota o roubo, desata aos gritos e ele é apanhado com a boca na botija a mão lá dentro, sem apelo nem agravo.
Como se disse, o senhor ***** é pessoa importante. A coisa tem repercussão. Procura uma justificação: tinha sido a dona da bolsa que lhe pedira para tirar um lencinho lá de dentro porque ela tinha as mãos sujas. Só tinha querido ser prestável. Tinha sido um grande mal-entendido! «Que mentiroso!» afirma a roubada. «Eu ia lá pedir uma coisa dessas!... É um ladrão»
Na esquadra, a roubada apresenta queixa. A máquina da justiça começa a rodar.
Mas...
O advogado de defesa demonstra que a queixosa tem várias multas por mau estacionamento. Que o que brilhava na carteira era um pechisbeque sem valor nenhum. Que ela era má comás cobras, já aos 10 anos tinha dado um estalo à prima. Que a meio do mês já usava a conta-ordenado. Ou seja, era uma pessoa sem crédito. Quem era ela para acusar o senhor *****, mesmo que ele tivesse sido apanhado com a mão na sua bolsa?!
Aaaaaaah... pensaram os polícias. Lá isso é verdade. A vítima queixosa é uma pessoa com tantos defeitos, que não se pode vir queixar de uma coisa que, cof... cof... vai atingir um senhor tão importante!?

A moral da história.. é que não tem moral nenhuma, é claro.

Pé-de-Cereja

terça-feira, 23 de agosto de 2011

E depois de Kadhafi?

É muito cedo para pensar com clareza.
Existia um ditador, no poder há 42 anos (!!!???!) que foi derrubado. Os seus apoiantes desistem.
De um modo quase unânime, quase todos os países do mundo manifestam a sua satisfação e alegram-se com a queda deste homem.
Mas existe petróleo.
Se, desta vez a América parece mais cautelosa, vejo os mais importantes países europeus a olharem gulosamente para Tripoli e o seu petróleo.
Bem, hoje é dia de festa. Caiu um ditador.





Pé-de-Cereja

domingo, 21 de agosto de 2011

Senhores da ICAR, não abusem!

As questões religiosas nunca me incomodaram muito.
Decerto que por educação - venho de uma família onde de há cem anos para cá não há casamentos religiosos nem baptizados... - mas também por temperamento. Tivesse eu uma pontinha de misticismo e até por rebeldia podia ter-me dado para seguir o caminho oposto. Mas não. Quer os genes, quer a razão, levaram-me a uma completa indiferença pela religião e seus derivados. Simplesmente, não me interessa.
O que não quer dizer que não me desagrade a mistura da religião com a política. Apontamos o dedo, e bem, a alguns países muçulmanos pelo uso da 'charia', e recordamos com desgosto as perseguições da Inquisição. É certo que existe um país que se rege exclusivamente pelas leis da igreja católica, e devemos ter para com o seu Chefe a cortesia que se tem para com qualquer Chefe de Estado, mas chega.
Em Portugal, existe a separação da Igreja do Estado.
Então, em nome de quê é que tenho de gramar na estação de rádio pública, todos os domingos uma hora de missa???!!! Perdão, quero dizer a Eucaristia Dominical
Sempre que ao Domingo acordo cedo, lá está a parva da missa à minha espera! Que a Renascença a transmita, ok, a gente está à espera disso. É a Rádio da Igreja, sempre pensei nela assim. Mas a Antena 1?! Por alma de quem é que se tem de ouvir lá missa?
Não.
Acho falta de respeito.
Se quem é religioso exige e obtém respeito pelas suas crenças, temos de exigir tratamento igual a quem pensa diferente.
O Estado é laico e tem de o continuar a ser.
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Gostariam de ver  piadinhas destas à porta das igrejas?





Pé-de-Cereja

sábado, 20 de agosto de 2011

A Sombrinha

(A sombrinha da minha tia)


Nós hoje vivemos num tempo onde os melhores confortos nos vêm da energia... exterior.
Para nos deslocarmos temos vários tipos de transporte, as luzes acendem-se carregando num botão, para conservar os alimentos temos frigoríficos, comunicamos por telefone (que até podem ser pequeninos a andar no nosso bolso) subimos os andares de elevador ou escadas rolantes - e  alguns edifícios até têm sensores que nos abrem a porta quando nos aproximamos! É bom. Claro que por vezes dá a ideia de que ficamos com uma certa atrofia, mas nada que não se resolva com a frequência de um ginásio onde se faz de conta que se corre, se anda de bicicleta ou se rema...
Eu gosto deste conforto. Gosto de não ter de andar demasiado a pé, gosto daquilo que a electricidade me dá, gosto de poder mandar recados por telemóvel. O conforto actual é bom. E quase nem me lembro como era viver sem frigorífico, sem telefone, sem esquentador, para não falar na luz eléctrica ou água canalizada porque sem isso nunca vivi!!!
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O calor que fez ontem quase me impediu de andar na rua. Estava sufocante. E, irritada porque entre o sair de casa e o chegar a algum sítio mais fresco tinha de suportar a força do sol e andava a fugir de sombra para sombra, veio-me à cabeça a recordação de uma tia-avó que sempre que saía perguntava «mas onde é que está a minha sombrinha?» Aquilo era um ritual que provocava risota, mas não me lembro de a ver sair sem o seu ‘telhadinho ambulante’. Seria mais fácil ela sair sem guarda-chuva no Inverno do que sem sombrinha no Verão.
Esse costume desapareceu. Talvez esteja arrumado junto do leque que se via na malinha das senhoras assim que começava o Verão.
Desapareceu, mas dava algum jeito.
Tínhamos sempre a nossa sombra, pessoal mas transmissível!

Pé-de-Cereja

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Há horas infelizes

Este fim de semana passei por uma situação invulgar, aqui vai contada em vários andamentos:
Prólogo:
Eu tenho um carro que para animal de estimação seria velhinho: tem um pouco mais de uma década. Cof…cof… mesmo para um ser de metal, já não é exactamente novo. E quando vejo um outro com aqueles extras todos que o meu não tem, começo a olhar para o pobrezinho de ponta!
Primeiro andamento - Tranquilidade
Na noite de sábado, emprestei-o a um amigo que mora fóra de Lisboa e já não tinha comboio. Normal. E no dia seguinte, como tinha que fazer para aqueles lados, fui para lá de comboio com a intenção de o trazer ao fim da tarde. Até me diverti, porque o comboio parecia a Torre de Babel. Na minha carruagem ouvia-se falar todas as línguas que eu conheço sei identificar – excepto o português, é claro. Viva o turismo!
Ao chegar perto do meu amigo notei de passagem o meu carro estacionado. Dei as voltas que pretendia, e no final do dia enquanto ele me ajudava com alguns sacos, lembrei-me «Espera lá! Falta a chave! Temos de voltar à tua casa».  Mas…
Segundo andamento - Inquietação
…onde estava a chave??! Procurámos em todos os locais prováveis (e alguns improváveis) mas nem pó! Cansada, enervada, mas confiante de que tudo estava bem porque o carro estava ali à vista, regresso a Lisboa de comboio.
E no dia seguinte, feriado, volto lá acompanhada do meu filho e com a chave sobresselente.
Terceiro andamento - Aprecia-se muito mais uma coisa quando a perdemos…
Ao passar no local onde ele estava na véspera, não o vejo. Quê?! Se o meu amigo tivesse encontrado a chave tinha-me dito! O que se passava? Já os 3 juntos rendemo-nos à evidência – o carro tinha sido roubado. Afinal a chave tinha caído na rua e alguém «achou» o meu carrito. Deixou-o de pousio 12 horas e durante a noite levou-o!
O passo seguinte será procurar a polícia e apresentar queixa.
Agora a saga de encontrar a esquadra da polícia, a pé! Muitíssimo longe, pelo menos do nosso ponto de vista, e ensombrado ainda mais porque durante esse negro passeio ia magicando como teria de organizar a minha vida sem ter carro. Comprar outro é totalmente inviável, mas ia perder o acesso a muitas coisas incluindo a minha casinha de férias - um dos seus encantos é ficar fóra de mão! Chegámos à tal esquadra exaustos por fóra e por dentro. E depois seguiu-se a cerimónia da apresentação da queixa. A cereja neste bolo é que os documentos tinham ficado no carro, ou seja não tinha prova de que o carro fosse meu! O agente, simpático, educado, aceitou a minha palavra e através da matrícula confirmou a posse. Mas preencher os documentos todos, o que foi entremeado com telefonemas urgentes e colegas a precisarem de coisas, foi coisa para duas horas. Duas horas de nervos enquanto ia planificando como-fazer-tudo-sem-carro.
Quarto andamento - A grande surpresa!
Apanhamos um táxi para voltar à casa do meu amigo. A tal vida-sem-carro implica mais táxis, é claro...Nunca o meu velho carrinho me pareceu tão lindo. Já quase a chegar pensei que tanto cansaço me estava a dar visões, porque O vi. Gritei «Páre, páre!!!» perante o espanto de todos. «O carro está ali!!!!» E estava! Um tanto vandalizado, sem rádio, sem nada no interior, com menos gasolina, mas estava estacionado numa outra rua!
Volto à esquadra no mesmo táxi, onde entro de rompante «Achei-o! Está ali!» e seguiu-se mais uma hora de papelada, pois a informação tinha de ser divulgada para não vir a ser presa por ter roubado o meu próprio carro.
Uff... Ganda susto, e uma história que acabou bem.
É que, como cantam os cauteleiros, há horas felizes!

Pé-de-Cereja

domingo, 14 de agosto de 2011

Ir à terra

Pelos meus cálculos e observação directa, acredito que hoje seja o dia onde menos lisboetas estejam por Lisboa. Com o feriado de amanhã mesmo encostado ao Domingo, quem vai para férias partiu ontem para aproveitar este fim-de-semana mais crescidinho, e quem regressa só chega amanhã pelo mesmo motivo mas às avessas...
Ou seja, isto está de uma grande calma, entregue aos turistas (bem-hajam que fazem falta)
E dei por mim a pensar que, como este ano a coisa está mal péssima, tenho ouvido muito a frase de queixa «não tenho férias», «quem é que pode ir para o Algarve» ou outras semelhantes. E é inteiramente verdade.
Mas, um pensamento puxa outro, e veio-me à memória com muita nitidez os meus tempos de infância e juventude. Nessa altura havia menos o hábito de associar automaticamente a ideia 'férias' à ideia 'praia' embora muita gente já tivesse o costume de ir a banhos. Contudo havia também uma parte grande da população que aproveitava esta pausa no trabalho para 'ir-à-terra'.
O certo é que se as grandes cidades - Lisboa, Porto - eram muito povoadas, uma grande percentagem desses tais citadinos não tinha lá nascido, eram de 2ª (ou 3ª) geração, os seus pais vinham de uma terra bem mais pequena. E era um momento muito importante do ano esse em que se podia voltar à origem, regressar «à terra». Além de que (já que se está a pensar em custos) não saía caro porque a casa dos pais, dos avós, dos padrinhos, incluía a hospedagem. Havia sempre camas para todos e a alimentação vinha da horta, da capoeira, da coelheira, dos enchidos pendurados na parede...  E sentia-se o grande prazer de voltar a estar juntos.
Entretanto o mundo girou muitas vezes, tudo mudou. Não digo que não se continue a encontrar aqui por Lisboa muita gente que não nasceu cá. Pelo menos os seus pais ou avós vieram de outro local, mais pequeno, mais característico. Mas o que se passa é que muitas dessas aldeias estão agora meio desabitadas, as pessoas mais activas e jovens emigraram para outros locais e, mesmo que quiséssemos reconstituir esse hábito antigo, ao chegar lá encontrávamos um vazio muito grande. Nada de pessoas das nossas gerações, como havia dantes.
De vez em quando eu converso com adolescentes. Quando pergunto se gostam de ir à terra dos avós, ficam estarrecidos «o quê?! que seca! não há lá nada!» a hipótese é vista quase como um castigo.
Quando era pequena nunca teria pensado que na terra dos meus avós «não havia nada». Encontrava lá tudo o que não havia em Lisboa: passeava muitíssimo, apanhava fruta das árvores, assisti a pintainhos a sair do ovo, via fazer pão, ajudava a regar a horta, andava de burro, ia à fonte, via mugir as vacas, fazia piqueniques junto do rio, brincava com os meus primos que viviam lá... Que dias felizes!
E, sobretudo, encontrava as minhas raízes.
Era muito bom.





Pé-de-Cereja


quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Os livros e a parede

De vez em quando acontecem-me umas histórias que parecem inventadas!
Mas juro já aqui que é a pura da verdade :)
O mês passado tive de fazer uma obra numa casinha de brincar que tenho numa aldeia perto de Sintra. A zona é húmida, como é do conhecimento geral e, embora a minha casa apanhe muito sol, a traseira está completamente encostada a um morro e portanto volta não volta essa parte fica cheia de salitre e toda empolada pelo excesso de humidade. Desta vez o pedreiro que lá foi chamado para picar a parede e arranjar a coisa, declarou-me que para ficar bem devia era fazer uma nova parede deixando uma caixa de ar entre a parede velha e a nova.
Pronto. Se tinha de ser... Com o subsídio de férias que ainda não foi absorvido pela dívida soberana (?!) lá disse para fazer a obra.
Quando tive de tirar os livros que enchiam a estante encostada a essa parede, constatei com algum desgosto que tinham de ser bem escovados, apanhar muito sol, porque estavam cheios de bolor e um pouco estragados. É certo que não tinha ali nenhum exemplar precioso, mas para quem aprecia livros, confesso que fiquei um tanto aborrecida e satisfeita por a nova parede ir evitar esse contratempo...
Bom. Ficou tudo em ordem, pintadinho, arranjado, a casa arejada e com sol, e ao fazer as contas do trabalho, tive de falar com a sobrinha do pedreiro, por sinal a senhora que habitualmente me toma conta da casa.
- Muito bem, Dona *****, aqui tem o cheque para o seu tio, e muito obrigada pelo trabalho.
- Ah, mas o meu tio manda dizer que a senhora não pode pôr aqui livros na estante.
- Como ??? (fiquei pasmada, sem sequer entender o que ela queria dizer)
- Não pode por aqui livros.
- Mas porquê?!
- É que os livros estragam as paredes.
..................
E mainada! Ele queria lá saber do resto, a porcaria dos livros iam 'estragar-lhe a parede' essa é que era essa.
Respirei fundo, e com toda a calma que consegui, expliquei à sobrinha do tio que agradecia o conselho, e ia verificar mais frequentemente se a parede tinha humidade, mas que aqueles livros eram importantes para mim e iriam ficar onde estavam - a não ser que eles estivessem em risco de se estragarem!




Pé-de-Cereja

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Se o exemplo pega

A história é fantástica mas faz todo o sentido: farto e enervado por não lhe pagarem uma obra já terminada, um empreiteiro enérgico passou à acção desmanchando o que fez e não lhe foi pago!
Fiquei entusiasmada.
Todos sabemos que o Estado é um terrível e feroz devedor e um desleixado e péssimo pagador. Quem deixa passar o período de pagamento de qualquer dívida ao Estado, por menor que o seja (ao Estado ou aos Bancos) apanha com uma enorme multa muitas vezes em desproporção com o valor da dívida. Podemos ter até o salário penhorado por um atraso de pagamento de um dia. Isso nunca me aconteceu, mas conheço casos.
Por outro lado, quando fornecemos qualquer serviço ao Estado já sabemos antecipadamente que esse só será pago... quando puder ser. Há uns anos aconteceu-me o absurdo de ter efectuado um trabalho bastante grande e para poder receber tive de, antecipadamente, emitir um recibo. Já isso não é justo nem legítimo - um recibo é passado quando se recebe algo e não quando se-pode-vir-a receber... Mas, vá lá. O inacreditável, é que eu passei o recibo, passou-se tanto tempo que tive de pagar o IRS correspondente a esse rendimento, e nada entrava na minha conta! Recebi um ano e meio depois de ter passado esse recibo.
Tenho reparado que os advogados oficiosos andam desesperados porque estão à espera do seu pagamento desde Abril. Desde Abril, viram bem? O Governo passou, vem este Governo, e eles à espera. A diferença de atitude entre o dever de pagar e o direito de receber, quando se trata de entidades oficiais é gritante!!!
Por isso sorri, quando saltou para as páginas dos jornais a indignação do homem que faz a calçada em Beja. Ah não pagam? Então vou desfazer aquilo que fiz!!!
Brilhante.
Porque a ideia que deve estar nas cabecinhas de quem vai protelando o pagamento é «já está feito, é o mais importante; logo se vê quando dá jeito pagar o trabalho». Nunca lhes passou pela cabeça que o processo pudesse ser revertido!
Evidentemente que isto só pode acontecer a quem já esteja completamente desesperado (e com trabalho 'material' - no meu caso, e no dos advogados não se pode desmanchar o que se tinha feito...) e não se importe com o trabalho que vai ter em deixar tudo com estava no início.
Mas que é bem feito, isso é!!!



Pé-de-Cereja

sábado, 6 de agosto de 2011

Lisboa em Agosto

Não é a primeira vez que fico em Lisboa no mês de Agosto.
Bem, das outras vezes que me lembro não era o mês inteiro e ficando em Lisboa estava a trabalhar o que muda muito a perspectiva...
Desta vez estou em Lisboa e tenho o tempo todo.
Tal como calculava descobre-se outra cidade!!!
Ou seja, a mesma cidade de que gosto tanto, mas sem a sensação de estar super-povoada que muitas vezes se sente. Os transportes andam menos cheios, quando se anda de carro (coisinha que cada vez faço menos) há mais lugares de estacionamento, menos bichas nos lugares onde elas se costumam criar, rápido atendimento onde ainda o mês passado os trabalhadores tinham de atender 10 pessoas ao mesmo tempo....
Que agradável.
Compras, por exemplo. As indispensáveis, é claro, que actualmente se tem cortado tudo aquilo que não é absolutamente básico. Fui ontem ao hipermercado onde me abasteço há anos. Cheguei pela hora do costume, 9 e meia, e fiz a marcação na caixa para o envio a casa. Os corredores estavam quase vazios de carrinhos podendo eu circular sem qualquer entrave. Zás, zás, zás, sigo a minha lista e coloco as coisas no carrinho. Peixaria e talho, só tenho uma senha antes de mim! Chego à caixa pelas 10 horas, coisa nunca vista. Antes das 10 e meia estou de volta a casa, onde só preciso esperar que me deixem na cozinha o que vou precisar para este mês.
No dia anterior, tinha ido ao IKEA. (já disse que estou a falar de compras mas aquelas que não se podem adiar!) OK. Andava há muito tempo a adiar a compra de um móvel para substituir um que se tinha «desfeito» com caruncho e fazia imensa falta. Sabia bem o que queria. Cheguei lá às 10 e meia, tomei nota das referências, desci e tirei um carrinho, pedi ajuda para carregar as pesadas embalagens, passei pela caixa, segui para a zona «transporte e montagem», dei as referências e paguei, e às 11 e um quarto estava a caminho de casa! Uau!
E, sobretudo, tenho feito o desporto de «ir à Baixa» de manhãzinha. Pela fresca, quando o sol está baixinho, vou andando devagar como turista. E, dá para imaginar que sou de facto turista pois em meu redor oiço uma Torre de Babel - espanhol, alemão, francês, italiano, inglês.... - de gente interessada e curiosa. Os lisboetas foram a banhos.
Está assim:

(Ai, não, não é esta!)



Assim é que é!

Pé-de-Cereja

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Falar verdade a mentir

É um facto que a ‘função pública’ é uma classe enorme. Enorme. E vaga. Dizer-se funcionário público não é explicar nada. Se sou canalizador, dentista, agricultor, traço uma imagem do que faço, mas dizer que sou funcionário é fugir à definição – posso ser o director de um grande hospital, ou telefonista, ou varredor das ruas.
Mas a opinião pública essa existe e pode ser manipulada. Os media dão uma ajudinha... Notem bem este título: 150 mil funcionários públicos têm direito a descontos na CP
Ena, ena! No dia em que quem anda de transporte público está revoltado com o aumento que apanhou, vê que essa gente, essa cambada dos f.p. (por coincidência a sigla pode fazer lembrar um insulto) ainda tem direito a desconto. Que raiva!
E nem é preciso analisar a notícia (que é verdadeira), porque lá dizem mesmo que esses descontos podem ir até 75%!
Mas, se alguém chegasse a uma bilheteira e pedisse uma redução para f.p. teria uma surpresa. Essa redução é apenas para 'militares, agentes da PSP e GNR' e que 'têm de apresentar documento comprovativo ou requisição'. A mim parece-me idiota porque se vão em serviço devem ter viaturas próprias, creio. Não vão de comboio apanhar um ladrão...
E depois vem uma categoria, a meu ver hilariante, que são os magistrados. Os magistrados???!
Magistrado é uma categoria que ganha muitíssimo bem para f.p. está quase no topo da tabela, para além de outras benesses como ter um 'subsídio de renda de casa' de 700 € mesmo que resida em casa própria. Estão a imaginar o senhor magistrado a deslocar-se no comboio suburbano todas as manhãs para o tribunal?...E a fazer-lhe falta o descontozinho que a CP lhe faz?..
O.K.
A notícia está correcta. Mas o título é mais uma acha para a fogueira em apoio de quem quer destruir a função pública e privatizar tudo quase tudo.



Pé-de-Cereja

O meu tipo inesquecível

Chamava-se assim uma secção de uma revista que via lá por casa, era eu miúda. Chamava-se "Selecções do Reader's Digest" (chamava-se e ainda se chama apesar de nunca mais ter lido nenhuma). Aliás é estranho esta recordação porque os meus pais não eram pessoas para comprar esse tipo de revista. Seja como for lembro-me bem de «Meu tipo inesquecível» e, é curioso, que essa expressão ainda me ocorre quando quero caracterizar alguém um pouco diferente.
Hoje apetece-me falar de uma pessoa a quem já me referi aqui várias vezes como «fada do lar». Trabalha na minha casa há uns 20 anos. Trabalhou, quero eu dizer. Foi agora de férias e já não volta. Tinha um outro emprego mais seguro do que simples mulher-a-dias, e esse passou a exigir-lhe exclusividade.
Quando há uns 2 meses ela, quase a chorar, me deu a notícia fiquei abalada. Durante estes 20 anos vi a filha-criança crescer, casar, nascer uma neta que também já está crescidinha. E ela também tem acompanhado a minha vida de perto, sabe mais de mim do que algumas amigas...
Demo-nos sempre bem, como gente educada devo dizer. Nem sempre ela estava de acordo com algumas decisões minhas e sorrateiramente lá conseguia levar a dela avante, assim como eu também me irritava com algumas teimosias da F. que conseguia ser casmurra até mais não. Mas éramos amigas.
Gostava muito de conversar. Sempre que me encontrava em casa eu ficava a par das suas histórias familiares com grande cópia de pormenores, das vidas das colegas, punha-me a par das últimas fofocas que tinha ouvido na tv. Reconheço que muitas vezes nem a ouvia bem, mas sentia que ela ficava muito aliviada com aqueles desabafos. E eu até me sentia lisonjeada em parte, afinal era consideração por mim pois até os extractos do banco me vinha mostrar e pedir conselho!
Meia analfabeta, começou a trabalhar quase criança nem tendo completado a 3ª classe, mas um espírito vivo, sabia o suficiente para uma vida activa e desembaraçada. Lia as sms que lhe enviavam mas para responder pedia-me ajuda que aquilo já eram cavalgadas mais exigentes. Profundamente prestável, até era errado pedir-lhe um favor, que por mais transtorno que lhe fizesse ela fazia-o de certeza.

No último dia, decidimos de comum acordo, não nos despedirmos; fiz a contas, dei-lhe uma lembrança e combinámos que ao sair ela deixaria as chaves à vista e fechava a porta. Quando regressei tinha a casa cheia de flores o que me enterneceu mas não espantou, mas fiquei com um nó na garganta - sabendo bem que ela não escrevia - quando encontrei um papelito. Numa letra muito esforçada que se lia com dificuldade e muitos erros ela deixava os seus agradecimentos, a sua saudade e o seu desgosto. Isso sim, foi muito comovente.

Ainda não aceitei bem que não a vou ter agora por cá. Dou por mim a pensar «a F. vai achar graça a isto», e ainda há pouco saiu-me «tenho de mostrar isto à F.»
Vou sentir muito a sua falta.
Que a sua opção resulte bem são os meus desejos mais sinceros.

Pé-de-Cereja