Ontem ouvi uma coisa que me pareceu tão engraçada que decidi retomar uma ideia que tinha tido quando aqui atrás falei nos confortos da vida moderna: relembrar os tempos em que a vida quotidiana era mais complicada por ainda não existirem os «facilitadores» dessa mesma vida que felizmente temos na actualidade.
Por exemplo, quando era pequenina, desconhecia o que era um frigorífico. As donas de casa compravam os produtos frescos todos os dias, e guardavam-se no local mais fresco da cozinha. O primeiro que os meus pais compraram, trabalhava a petróleo (!) e foi colocado num canto da sala de jantar. Ah, e então vivíamos em África, pois!
O telefone, esse, apareceu lá em casa mais cedo. Nem sei porque é que os meus pais aderiram a essa modernice, mas recordo o seu aparecimento e a desconfiança da minha avó quando lá ia a casa. Falava muito alto, no pressuposto de que se o interlocutor estava longe teria de gritar... Mas era um objecto que se usava só para dar recados ou coisas urgentes, e nem isso era frequente porque ainda poucos amigos nossos o tinham. Para os casos mais demorados fazia-se uma visita, ou escrevia-se uma carta.
Bem, para o início de uma conversa telefónica, em muitos países diz-se «ALÔ!». Em Portugal, o uso dizia que se começava com uma questão que confirmava que a ligação estava correcta e perguntava-se «Está lá?» ou simplesmente «Estááá?» Pronto, aceito que seria uma pergunta parva, mas se a ligação não estivesse completa ninguém respondia pelo que se concluía que não-estava-lá-ninguém!
Há uns anos, a esta pergunta começou-se a responder «Estou!». Correcto. Era um início da conversa: -Estás? - Estou. Lógico.
Um pouco mais tarde, a pergunta inicial desapareceu e passou-se a atender dizendo «Estou». Não era mal. Não uso, toda a vida disse o «Está (lá)?» e não vou mudar, mas entendo muito bem a outra forma. O que já não entendo é que se use a forma interrogativa e que diga «Estou???» como oiço por todo o lado. Olho sempre um pouco de lado, e dá-me vontade de rir.
Mas ontem, estava eu na cozinha que beneficia de uma bela acústica das minhas traseiras, e oiço uma voz sem corpo:
«Estou?....ESTOU?! ...ESTOU???? ESTOU ?????........»
Coitadinha.
Que dó me meteu. O Descartes sabia que pensava e portanto exista. O Hamlet balançava entre o Ser e o Não Ser. Mas esta pobre interrogava os céus em altas vozes e ninguém lhe respondia e confirmava que ela estava. Estava sim, que eu ouvia-a, mas a pergunta ficou sem resposta.
Metafísicas, é o que é.
Pé-de-Cereja