terça-feira, 26 de março de 2013

A cortesia e os usos sociais

Faz parte do desenvolvimento humano. Nós nascemos mais dependentes do que qualquer outro animal. Levamos os primeiros tempos de vida a aprender a andar, a falar,  a comer sozinho, a conhecer as bases da higiene. E logo depois aprende-se a viver com os outros em sociedade, a conhecer e usar regras de convívio.
Já se sabe que como as sociedades humanas variam muito, quer no espaço quer no tempo, essas regras também vão variando. O que era correcto na Idade Média ou na China, não o é aqui e agora. Mas também se aprende a conhecer e respeitar os usos alheios, se estivermos numa sociedade diferente da nossa.
Contudo vou estranhando o desaparecimento muito rápido não direi de regras de etiqueta mais ou menos vitorianas, mas de usos sociais muito simples. Por enquanto ainda é normal cumprimentar com Bom Dia (substituído muitas vezes por 'tudo bem?') pedir dizendo Faz favor, e no fim Obrigado. Digo por enquanto porque mesmo essas 3 fórmulas, tão simples, muitas vezes ficam esquecidas. 
Mas há costumes de cortesia que se diluíram tanto que quase se não notam: levantarmo-nos quando entra alguém de novo numa sala, por exemplo, ou não se interromper quem está a falar, ou esperar que todos estejam servidos para começar a comer, ou ceder o lugar sentado num transporte público.
Por outro lado temos um grande mimetismo para copiar o que se vê na tv, sobretudo se o modelo é estrangeiro. E tem-me impressionado ver um acto tão repetido que só posso concluir que isso seja normal e bem-educado (?) nos EUA, porque se vê em muito episódios de diversas séries: uma pessoa vai falar com outra - muitas vezes um investigador ou detective - ela abre-lhe a porta, manda entrar e enquanto quem entrou vai falando o dono da casa vira-lhe as costas e vai fazendo o que estava a fazer, coisas que aparentemente não tinham a menor urgência. Isto passa-se sempre. Uma pessoa a falar e outra a arrumar um livro na estante, a pôr a mesa para jantar, a pentear-se, sem olhar para quem fala! Isto não é uma questão de etiqueta vitoriana, para mim seria simples boa educação. Se digo a alguém para entrar, ofereço-lhe uma cadeira e sento-me a ouvir o que ela me quer dizer.
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À-vontade? Desenvoltura? Indiferença? Arrogância? Superioridade?
Ou falta de educação?
É que ser educado custa tão pouco e sabe bem. Não, não paga imposto, é inteiramente grátis.


Pé-de-Cereja

segunda-feira, 25 de março de 2013

A linguagem

Nem sempre se tem a verdadeira noção do significado da fala.
É certo, sabe-se que é isso, e se calhar só isso, que nos distingue dos outros animais - o ser humano fala. E usa uma linguagem preparada para exprimir pensamentos e afectos.
Mas essa capacidade aprende-se e pratica-se. Eu penso muitas vezes que tão importante como ensinar uma criança a pronunciar correctamente uma palavra é ensinar-lhe o verdadeiro sentido dela e a importância da entoação com que ela é dita. Saber o que se diz, como se diz  e porque se diz.
É vulgar pensar-se que as mulheres falam mais do que os homens. Como toda a generalização, ela é excessiva mas tem algo de verdadeiro, as mulheres têm mais facilidade em trocar por palavras os seus sentimentos, que é coisa difícil. Porque até mesmo é difícil saber dar nomes àquilo que se sente.
No outro dia assisti a um seminário onde se pediu que enumerássemos as emoções que conseguíssemos definir. Muita gente lembrou-se da alegria, tristeza, medo... e pronto. Claro que houve também quem se lembrasse de surpresa, repugnância, raiva, susto, tranquilidade, vergonha, curiosidade, inveja, aflição, cólera, ressentimento, desespero, confiança, ternura, compaixão, ternura, culpa, e por aí fóra. Interessante, não é?
E depois há diversas linguagens. Quando referi a importância da entoação é por considerar que ela é fundamental para a comunicação. Conheço pessoas que falam sempre com "sete pedras na mão" digam o que disserem. É cansativo. Até acredito que nem se dêem conta de quanto pode ser desagradável, mas é. E, no outro extremo, quem fala sempre em tom de lamúria, como se fosse vítima do mundo inteiro. Claro que são extremos, mas na nossa linguagem corrente é muito frequente haver coisas que são levadas a mal por terem sido ditas com a entoação errada. E isso devia ter sido aprendido.
E também todos sabemos (sobretudo quando falamos com os nossos filhos!) que muitas vezes só se ouve o que se quer, ou deseja, ouvir. Mas quanto a isso já não se classifica com uma questão de linguagem. E não é uma das tais emoções, isso é esperteza!



Pé-de-Cereja 

quinta-feira, 21 de março de 2013

A estranha leveza da felicidade

 ai quem ma dera na minha mão
 não passar nunca da mesma idade
 dos 25 do quarteirão»
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Pois é. Hoje, esta visão romântica de felicidade que nos deixou o António Nobre,  seria muito estranha. Quando me lembrei destes versos achei até, tenho de o dizer, um tanto reaccionária a poesia :) Esta simplicidade, salazarista antes de Salazar, era o ideal de felicidade? Mas afinal o que é isso da felicidade? Como é que se mede?
Estes pensamentos ocorrem-me porque ontem foi «o dia Mundial da Felicidade»  coisa que levantou alguma surpresa e comentários nas redes sociais. Felicidade? Parece que o tal  Direito, que faz parte da Constituição dos EUA, como direito é "à procura da Felicidade". E agora em Portugal até temos um índice de bem-estar que avalia se estamos felizes ou infelizes. [aposto que já sabemos a resposta]
Ora o que eu penso é que essa coisa da «felicidade» é muitíssimo subjectivo, depende do feitio de cada um, da capacidade de sentir como bom ou positivo aspectos da nossa vida. Por vezes coisas de uma enorme simplicidade. 
Por exemplo,  um fait divers pessoal:
Fui ontem  às compras "do mês", como costumo fazer no dia em que recebo. Faço isso porque sendo uma grande quantia posso mandar levar a casa sem mais custos e ao comprar tudo de uma vez evito algumas idas ao supermercado - de cada vez que lá vou trago mais alguma coisa.  Esta é uma  medida económica
Ora - e cá está como os olhos com que se olha podem fazer variar o 'sentimento de infelicidade ou felicidade' -  desde há uns meses que em vez de arrumar logo tudo nos sítios, passei a alinhar o conteúdo dos sacos pela bancada da cozinha. 
É uma brincadeira, é claro. Aquilo fica em exposição uma meia hora:  arroz, farinha, massa, açúcar, chá, café, conservas, azeite, manteiga, queijo, batatas, cebolas, leite, vinho, e ainda detergentes, sabonetes, champô, dentífrico, papel higiénico... e estou a sintetizar mas é uma grande batelada de produtos. E espalhado parece imenso! A verdadeira imagem da abundância. Uau!!!
É um truque, dizem-me vocês.
Pois é.  
Mas o sentimento não é pessoal e subjectivo? Durante aquela meia hora tempo sinto a abundância. A abundância hoje não existe, ou existe de forma muito diferente. A minha, que é pequenina, deixa-me consolada uma vez por mês com aquela imagem. Fácil.




Pé-de-Cereja 

 

terça-feira, 19 de março de 2013

A ficção e a triste realidade



Há uma série televisiva, policial, que não sei se é considerada “de culto”, mas é para mim. Já vai aí na temporada 12 ou mais, eu só a descobri há pouco mais de um ano mas agora não passo sem ela. Chama-se Midsomer Murders. 
Gosto por imensas razões. Gosto muito do protagonista, o inspector ‘Barnaby’, meia idade, low profile, extremamente inteligente e observador, muito humano, com humor, uma vida familiar normalíssima. Gosto do(s) sargento(s) que o apoia(m). Gosto das situações que vão surgindo em cada episódio, crimes é claro, e por vezes bem sangrentos, mas humanos, com motivos humanos, é um tipo de violência que se compreende. E gosto imenso, talvez do que mais gosto de tudo é do ambiente e paisagens daquele campo inglês – creio que aquilo não existe, mas na minha imaginação a Inglaterra rural é mesmo assim!  Se me saísse o tal totomilhões que faz excêntricos eu ia viver para uma casa daquelas aldeias! É a minha imagem de felicidade.

Ora uma das coisas que me delicia nesta série é que se os polícias ingleses vulgarmente não andam armados, estes de Midsomer exageram. Comportam-se como pessoas comuns em tudo e quase sempre quando dão voz de prisão a um dos criminosos, ele aceita o seu destino com ar infeliz mas numa atitude de «ora bolas, lá me desmascararam!» e mesmo quando fogem não é nada que uma corridinha não corrija. Tem tudo uma dimensão simpática, a condizer com o cenário onde as histórias decorrem.

Esta imagem do polícia desarmado, talvez seja tão idílica como os cenários onde estas cenas decorrem.
O oitenta deste oito, é a nossa polícia. Estes indivíduos usam a arma como se fosse um apito. Querem chamar a atenção e disparam um tiro!!! A história sinistra do rapaz de 18 anos que foi perseguido a tiro porque alegadamente ia de moto sem capacete é daquelas que custa a acreditar. Para provarem a tese de que andar sem capacete é perigoso, vá de o perseguirem a tiro (e mesmo que não fosse a tiro)  para o obrigarem a despistar e bater com a cabeça na estrada. Realmente a queda foi mortal. E que crime teria o jovem cometido para ter de ser detido custasse o que custasse?

Este caso gerou muita revolta e justa indignação  Mas chegará para alterar o funcionamento das nossas forças de segurança?
O que mais será necessário acontecer para se tomar medidas enérgicas?

Afinal Midsomer é só ficção. E a Inglaterra fica longe.

Pé-de-Cereja

sexta-feira, 8 de março de 2013

Uma história para o Dia da Mulher

Bem, o título não devia ser este.
Pensei escrever "quem não sabe (ler) é como quem não vê" que estaria mais de acordo com esta história mas, não sei porquê, o facto de aquela pessoa ser uma mulher tocou-me especialmente, e pronto! A história foi esta:
Esta manhã andei atarefada e um tanto enervada. Sentia-me embirrenta e implicativa. Tinha dado já uma série de voltas desnecessárias e estava cansada e farta. Mal disposta.
Ao descer para o cais do metro do Saldanha sou abordada por uma mulher com ar hesitante que me pergunta timidamente se sei como se vai para o Hospital de S. José. Olhei-a espantada com a pergunta. Magra e mal vestida, cabelo desalinhado, expressão angustiada, impressionou-me. «Mas é muito longe!» gaguejei. Ela ficou à espera da continuação. «Bem, a estação melhor é o Martim Moniz, vai ter de voltar a subir a escada apanhar a linha vermelha até à Alameda e aí mudar para a linha verde direcção cais do Sodré; sai no Martim Moniz». Baixinho, ela explica «Já lá devia estar.» Como a olho com ar compreensivo, continua «Ontem caí e magoei-me muito. Mas, a quente, nem senti muito, hoje é que estou muito aflita, nem consigo respirar e tenho muitas dores no peito. Disseram-me que tinha de ir ao hospital» E como eu lhe apontasse os letreiros para mostrar o caminho diz-me muito baixinho «É que eu não sei ler...» Depois pede-me conselho «Se fosse a pé, era muito longe...?» E eu, a querer ajudar sem saber como... «Bem, como está aqui, mais uma estação e é Picoas, depois ainda é longe mas é a direito, pode ser que prefira assim» E vou explicando «A linha amarela é a que tem um girassol amarelo, siga o girassol mas depois confirme que vai na direcção do Rato»
E ela lá se afastou tentando fixar as minhas palavras.
Sentia-me inundada por uma pena imensa. Não sei explicar porque imaginei que a queda que ela dera não era bem uma 'queda', alguém a tinha ajudado-a-cair. Ou não. Inegável era o analfabetismo, e isso é um sentido a menos e um dos 'nossos sentidos' mais importantes.
A minha rezinguice anterior sumiu-se envergonhada. Eu estava cansada (?), a manhã corria-me mal (?) mas sabia ler, até noutras línguas, e se precisasse podia chamar um taxi para me levar ao hospital. Nunca um adulto levantou a mão para mim. 
Tenho, temos todos, um grande caminho a percorrer na direcção daquilo que é justo e merecemos, mas já percorremos também um caminho considerável. Força. Ânimo.
Em frente! 




 -de-Cereja 

terça-feira, 5 de março de 2013

O mercado do desemprego

Quem está "de fóra" pode sentir preocupação, incómodo, respeito, indignação, mas serão sempre emoções externas por assim dizer. Bem, vou refazer a frase no passado - quem estava "de fóra" podia sentir preocupação, etc. 
Falo do desemprego. Um acidente (?) de que ainda há muito poucos anos se falava de longe, aquela situação grave que-acontecia-aos-outros, que se estudava em sociologia ou em ciências políticas, com a atitude com que um europeu com as suas quatro refeições asseguradas olhava para uma criança do Biafra. Uma pena imensa, mas o nosso mundo era outro.
Hoje, se não somos nós próprios que estamos desempregados ou em risco de o ficar, temos alguém muito próximo - possivelmente filhos - que o está a sofrer. Não é uma imagem, um estudo de jornal,é a nossa vida a nossa vida real.
O D.N. publicou na segunda feira uma reportagem, ou artigo, excelente  da Fernanda Câncio. O PDF não dá para o abrir com facilidade e não consegui um link, mas se tiverem paciência para esperar uns minutos que abra, aconselho a ler o que está lá escrito. Começa dizendo "Se for atraído para uma entrevista de emprego e acabarem por tentar vender-lhe um serviço ou exigirem-lhe dinheiro para trabalhar, está perante uma venda agressiva, uma burla, ou empreendorismo no seu esplendor?Porque, custa acreditar, mas isto acontece cada vez mais! A justificar os conselhos anti-burla que a jornalista lá oferece
a) se lhe pedirem dinheiro, desconfie muito 
b) se lhe parecer bom demais para ser verdade, é porque é 
c) pesquise sempre primeiro
O que ali se conta é verdade mesmo que custe a acreditar. Eu conheço casos. É a burla mais nojenta e descarada que se concebe, idêntica para mim a roubar velhinhos indefesos, porque é aproveitar-se do desespero alheio em benefício próprio. 
Costumo ser considerada tolerante e "boazinha" mas para estes abutres gostaria de ver aplicada a pena máxima possível - muitos e muitos anos de cadeia. São assassinos. Nojentos, repugnantes  assassinos!



mais uma nota - não sendo burla, é também enganador, os vários anúncios que aparecem, que numa leitura ligeira parece serem de trabalho, mas o que 'oferecem' é formação. E essa formação (que frequentemente não vai dar acesso a nada)  é paga e bem paga. Uma miragem para quem está desempregado, é claro.  "Ah, se calhar, com esta formação vou conseguir qualquer coisa... " Quem está a conseguir qualquer coisa é quem vende a dita formação...

 Pé-de-Cereja