Coincidências.
Na minha mais recente crise de arrumação enérgica, entre diversas coisas que mudei de lugar estava uma moldura com uma foto - muito boa! - da minha avó. Uma das minhas duas avós, que tive duas como todos nós e felizmente convivi e lembro-me muito bem das duas, mulheres muito diferentes. Mas é àquela de quem mais gostava e com quem mais convivi que me quero referir.
Do local onde escolhi para a foto ficar agora vejo-a quer ao deitar quer ao acordar e foi uma bela ideia, porque ver a sua expressão aquece-me por dentro e dá-me força. Ela foi uma mulher excepcional de quem por mais que me queira distanciar não consigo encontrar defeitos, não se aplica a frase "era assim, mas". Não havia mas. Carinhosa, inteligente, activa, decidida, culta, generosa, alegre, bonita, compreensiva. E não apenas comigo que fui a única neta durante muitos anos, ela era assim com todos. Juntava a bondade (ná, não era boazinha, era boa, generosa) com a inteligência.
A coincidência que me levou a escrever isto é que neste Natal jantámos em casa de uma amiga e vieram à baila recordações, como acontece muito nestas quadras. Perante o olhar admiradíssimo do meu filho, a minha amiga A**** desfiou cenas atrás de cenas da história da sua família, muito tradicional e conservadora, e sobretudo contou atitudes inacreditáveis do seu pai profundamente autoritário. Era um tempo em que uma menina não podia fazer isto e aquilo por ser menina, ou tinha de fazer assim e assado exactamente por ser menina... Rebelde como ela era a sua adolescência foi uma batalha campal!!!
E o seu destino estava traçado pelo pai. Lá pôde estudar, mas na Faculdade de Letras que sempre eram estudos femininos, e tinha uma arca cheia com o enxoval que levaria junto ao dote quando casasse com o rapaz que a família aprovasse, cujo lar ela iria gerir com tudo o que tinha aprendido das "ciências domésticas", e a quem daria uns bebés de quem já tinha aprendido a cuidar com aulas de puericultura... (não estou a inventar nada, ela contou isto mesmo assim, juro!)
Mas onde entra a coincidência sobre a foto para onde estou agora a olhar, é que às tantas ela diz-me:
- A tua avó era fabulosa!!! Sabes que nunca mais esqueci, quando a conheci e falámos do nosso futuro, em relação a estudos, casamentos, coisas dessas, ela, com aquele arzinho dela, sorriu e disse-me "Para a minha neta, eu quero é que ela seja feliz. Como ela quiser, que faça aquilo que a fizer feliz"
- A tua avó era fabulosa!!! Sabes que nunca mais esqueci, quando a conheci e falámos do nosso futuro, em relação a estudos, casamentos, coisas dessas, ela, com aquele arzinho dela, sorriu e disse-me "Para a minha neta, eu quero é que ela seja feliz. Como ela quiser, que faça aquilo que a fizer feliz"
Eu já não recordava tal conversa mas minha amiga não esqueceu, dezenas e dezenas de anos mais tarde, o invulgar respeito da atitude da minha avó. Ela não impunha modelo nenhum, mesmo que pensasse que seria o modelo ideal. Sabia que o ideal dela talvez não o fosse para os outros, e desejava que eu realizasse o meu futuro como eu gostava.
Ela era assim.
Cereja